PROJETO "OFÍCIO DA PALAVRA" COMEMORA 50ª EDIÇÃO COM MARINA COLASANTI
Ariano Suassuna, Ferreira Gullar, José Eduardo Agualusa, Arnaldo Antunes, Zuenir Ventura, Milton Hatoum, Adélia Prado... Essa lista não termina sem antes contemplar muitos outros nomes de destaque da literatura contemporânea, convidados desde o início do Projeto "Ofício da Palavra", há seis anos.Com o objetivo de promover o incentivo à leitura, a divulgação da obra de escritores e a troca de ideias sobre literatura, o Ofício da Palavra estreou em novembro de 2006, tendo como convidado o contista Sérgio Sant'Anna. O projeto é uma iniciativa do Instituto Cultural Flávio Gutierrez, com curadoria do jornalista José Eduardo Gonçalves. Em seu sexto ano de vida, o Ofício consolidou-se na cena cultural de Belo Horizonte como espaço de debates e reflexão, a partir da experiência narrada por grandes escritores. No encontro, sediado mensalmente no Museu de Artes e Ofícios, com entrada franca, os autores conversam sobre seu trabalho e respondem a perguntas do público. Ao final de cada edição, o escritor é convidado a ler um trecho de sua obra, escolhido por ele. Dessa forma, as pessoas presentes entram em contato com os textos por meio da interpretação de seu próprio criador, além de serem motivadas a buscar novas informações sobre seus livros.
MUSEU DE ARTES E OFÍCIOS ( REF: GOOGLE)
O projeto comemora sua 50ª edição este mês, recebendo a escritora Marina Colasanti. Vencedora de prêmios importantes como o Jabuti, ela é autora de poesias, contos, crônicas e histórias infantis, com cerca de 50 obras publicadas. Marina veio a Belo Horizonte conversar com o público sobre seus livros mais recentes, discutir os gêneros literários e falar sobre a arte da ilustração, mais um de seus trabalhos.O encontro com a escritora foi às 19h30 do dia 25 de setembro, no Museu de Artes e Ofícios. E A EJA da EMRCV não podia deixar de prestigiar tal evento...
REF: Google.
Um pouquinho sobre Marina Colasanti...
Marina Colasanti nasceu em 1937 na cidade de Asmara, na Eritréia, então colônia italiana. Viveu sua infância na África (Eritréia e Líbia) e depois morou na Itália por 11 anos, mudando-se para o Rio de Janeiro após a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, estudou na Escola Nacional de Belas Artes, atuou como redatora, colunista e editora de jornais, apresentadora de televisão e roteirista. Sua estreia na literatura foi com Eu sozinha (Record, 1968). Além do trabalho como jornalista e escritora, ela já traduziu vários textos italianos.
A autora venceu o Prêmio Jabuti de 1993 por Entre a espada e a rosa (Melhoramentos, 1992), que reúne contos de fadas. No ano seguinte, ela voltou a ganhar a premiação, duplamente: pelo livro de poesia Rota de colisão (Rocco, 1993) e, na categoria Infantil ou Juvenil, por Ana Z, aonde vai você (Ática, 1993). Com Eu sei mas não devia (Rocco, 1995), Marina levou o Jabuti de Contos em 1997. Passageira em trânsito (Record, 2009) foi um dos ganhadores de Poesia em 2010. Em 2011, na categoria Juvenil, seu livro Antes de virar gigante (Ática, 2011) foi o escolhido.
No mesmo ano, Marina foi terceiro lugar no prêmio Portugal Telecom com Minha guerra alheia (Record, 2010). A escritora também foi contemplada com vários selos da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), instituição que lhe concedeu o título Hors Concours.
A próxima convidada do Ofício da Palavra tem muitos planos para o final de 2012. O nome da manhã é o título do livro de poesia infantil que sai este ano pela Global Editora, ilustrado pela própria autora. Ainda para as crianças, está pronto Breve história de um pequeno amor, aguardando publicação. Nos próximos meses, Marina pretende lançar também uma obra de contos e minicontos, intitulada Hora de alimentar serpentes. Além disso, contos de fadas da escritora serão distribuídos para os colombianos no metrô de Medellín, reunidos em um livro cujo lançamento está previsto para novembro.
Marina Colasanti, atualmente, é colunista do jornal Estado de Minas, veículo para o qual escreve todas as quintas-feiras. Ela é casada com o poeta e escritor Affonso Romano de Sant'Anna, mais um representante da literatura que já marcou presença no Ofício da Palavra.
.O maravilhoso texto abaixo foi trabalhado com os alunos da EPC ( Em Processo de Certificação) em 2011 . Assista o vídeo. Tenho certeza que vai valer a pena...
Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.(1972)
Excelente texto, nos faz refletir sobre nosso dia a dia!
ResponderExcluirCom certeza, Lili. Que bom que gostou! Bj
ResponderExcluirCris!!!, realmente o nosso viver é sermos esgrimidos pelos "costumes"
ResponderExcluirMuito boa a sacudida!!! Bjos